segunda-feira, 27 de abril de 2009

Verdes são os campos


Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

Luís de Camões
Foto tirada da net



sexta-feira, 17 de abril de 2009


Uma gaivota

"... lá ao fundo, sozinho, longe do barco e da costa, Fernão Capelo Gaivota treinava. A trinta metros da superfície azul brilhante, baixou os seus pés com membranas, levantou o bico e tentou a todo custo manter suas asas numa dolorosa curva. A curva fazia com que voasse devagar, e então sua velocidade diminuiu até que o vento não fosse mais que um ligeiro sopro, e o oceano como que tivesse parado, abaixo dele. Cerrou os olhos para se concentrar melhor, susteve a respiração e forçou ... só ... mais ... um ... centímetro ... de ... curva ... Mas as penas levantaram-se em turbilhão, atrapalhou-se e caiu.
...mas Fernão Capelo Gaivota - sem se envergonhar, abrindo outra vez as asas naquela trêmula e difícil curva, parando, parando ... e atrapalhando-se outra vez! - não era um pássaro vulgar."

Exerto do livro Fernão Capelo Gaivota de Richard Bach

foto de Chris Krog

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Morre Lentamente


Morre lentamente quem não viaja,quem não lê ,quem não ouve musica,
quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destroi o seu amor proprio ,quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito ,repetindo todos os dias o mesmo trajeto,quem não muda de marca , não se arrisca a vestir uma nova cor , ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televião o seu guru.
Morre lentamente quem evita uma paixão,quem prefere o negro sobre o branco,e os pontos sobre os iss em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho nos olhos, sorrisos dos bocejos,corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho , quem não se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva que cai

incessante
Morre lentamente quem abandona um projeto antes de iniciá-lo , não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não respondem quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples fato de respirar.
SOMENTE A PERSEVERANÇA FARÁ COM QUE CONQUISTEMOS UM ESTÁGIO ESPLENDIDO DE FELICIDADE.
Pablo Neruda
fotografia tirada por Lena Almeida.


quarta-feira, 8 de abril de 2009

Mona lisa


De que ri a Mona Lisa?

Estou na sala Da Vinci, no Louvre. Aqui penetrei encaminado por uma seta que dizia "Sala Da Vinci". É como se fosse uma indicação para uma grande avenida no trânsito de uma cidade. Não que a seta seja apelativa ou extraordinária. Mas reconheço que nela está escrito implicitamente algo mais. É como se sob aquelas letras estivesse escrito: "Preparem o seu coração para um encontro histórico com a Gioconda e seu indecifrável sorriso". E tanto é assim que as pessoas desembocam nesta sala e estacionam diante de um único quadro - o da Mona Lisa.
Do lado esquerda da Gioconda, dezesseis quadros de renascentistas de primeiro time. Do lado direito, dez quadros de Rafael, Andrea del Sarto e outros. E na frente, mais dez Ticianos, além de Veroneses, Tintorettos e vários outros quadros do próprio Da Vinci.

Mas não adianta, ninguém os olha.
Estou fascinado com este ritual, E escandalizado com o que a informação dirigida faz com a gente. Agora, por exemplo, acabou de acorrer aos pés da Mona Lisa um grupo de japoneses: caladinhos, comportadinhos, agrupadinhos diante do quadro. A guia fala-fala-fala e eles tiram-tiram-tiram fotos num plic-plic-plic de câmeras sem flash. Sim, que é proibido foto com flash, conforme está desenhado num cartaz para qualquer um entender.
E lá se foram os japoneses. A guia os arrastou para fora da sala e não os deixou ver nenhum outro quadro. E assim as pessoas vão chegando sem se dar conta de que sobre a porta da entrada há um gigantesco Veronese, Bodas de Caná. É singularíssimo, porque o veneziano misturou a festa de Caná com a "última ceia". Cristo está lá no meio da mesa, num cenário greco-romano. O pintor coloou a escravaria no plano superior da tela e ali há uma festança com a presença até de animais.
Entrou agora na sala outro grupo. São espanhóis e italianos. "Veja só os olhos dela", diz um à sua esposa, exibindo o original senso crítico. "De qualquer lado que se olha, ela nos olha", diz outro parecendo ainda mais esperto. "Mas, que sorriso!", acrescentou outro ainda. E se vão.
Ao lado esquerdo da Mona Lisa reencontro-me com dois quadros de Da Vinci. Mas como as pessoas não foram treinadas para se extasiar diante deles, são deixados inteiramente para mim. São A Virgem dos Rochedos e São João Batista. Este último me intriga particularmente. É que este São João assim andrógino tem uma graça especial. E mais: tem o rosto muito semelhante ao de Santa Ana, do quadro Santa Ana, a Virgem e o Menino, no qual Freud andou vendo coisas tão fantásticas, que se não explicam o quadro pelo menos mostram como o psicanalista era imaginoso.
Chegou um bando de garotos ingleses-escoceses-irlandeses, vermelhinhos, agitadinhos, de uniforme. Também foram postos diante da Mona Lisa como diante do retrato de um ancestral importante. Só diante dela. O guia falava entusiasmado como se estivesse ante o quadro de uma batalha. E ele ali, talvez, achando graça da situação.
Enquanto isto ocorre, estou enamorado da Belle Ferronière, do próprio Da Vinci, que embora possa ser a própria Mona Lisa de perfil, ninguém olha.
Chegou agora um grupo de jovens surdos-mudos holandeses. Postaram-se ali perplexos, o guia falou com as mãos e foram-se. Cheou um grupo de africanos. E repete-se o ritual. E ali na parede os vários Rafaéis, outros Da Vincis, do lado esquerdo os dezesseis renascentistas de primeira linha, do lado direito os dez quadros de Rafael, Andrea del Sarto e outros e na frente mais dez Ticianos, além dos Veroneses, Tintorettos etc., que ninguém vê.
O ser humano é fascinante. E banal. Vêm para ver. Não vêem nem o que vêem, nem o que deviam ver. Entende-se. Aquele cordão de isolamento em torno da Mona Lisa aumenta sua sacralidade. E tem um vigia especial. E um alarme especial contra rouba. Quem por ali passou defronte dela acionando sua câmera, pode voltar para a Oceania, Osaka e Alasca com a noção de dever cumprido. Quando disseram que viram a Mona Lisa, serão mais respeitados pelos vizinhos.
Mal entra outro grupo de turistas para repetir o ritual, percebo que Mona Lisa me olha por sobre o ombro de um deles e sorri realmente.
Agora sei do que ri a Mona Lisa.


Affonso Romano de Sant'Anna 12.4.89

© 1999-2009 A Garganta da Serpente

Publicado por Lena Almeida

domingo, 5 de abril de 2009

O milagre do pão ou receita para fazer Poema

Para fazer o poema
é preciso pôr a mão na massa.
Escolher os ingredientes:
As palavras na medida certa
Trigo e fermento
para o poema crescer.
Uma pitada de sal não pode faltar.
Açúcar, um pouquinho só:
dos açucarados devemos ficar longe.
Mas há poema doce e de sal,
Sovado, light, integral.
Capriche na forma e evite as formas.
Não enfeite demais,
No miolo está o valor do poema.
Mexa, remexa, trabalhe bastante.

É preciso comer o pão que o diabo amassou,
Mas não deixe o suor à vista.
Pequenos cortes darão vida
e consistência.
Quando estiver pronto,
deixe-o descansar na gaveta.
Não há forno para poema.
É no calor do leitor que crescerá.
Muitos dizem que ele não é necessário,
mas a alma precisa comungar com a poesia.
No poema a hóstia será consagrada
e o pão nosso virá a cada dia.
Augusto Sérgio Bastos
Publicada por Lena Almeida